Megaphone: Brazil made in USA

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Brazil made in USA


Brazil, Indiana

Fundada em 1844, cidade americana de 8 mil habitantes recebeu esse nome por acaso, não tem nenhum brasileiro, enfrenta crescente onda de desemprego e corre o risco de sumir do mapa

Nenhum brasileiro vive aqui. Apesar disso, milhares de residentes se dizem brasileiros. E com razão. Eles, afinal, nasceram no Brasil. Ou melhor, em Brazil. Isso mesmo: no Brasil com z, uma cidadezinha de Indiana, Estados Unidos, a 101 quilômetros de Indianápolis, e que está se esvaziando aos poucos.

Quem nasce em Brazil é Brazilian, definição idêntica - em inglês - para quem nasce no Brasil da América do Sul. "Nasci aqui, portanto, sou brasileiro. E com muito orgulho", diz Kenneth Turner, 76 anos. Seus olhos, de um azul intenso, quase saltaram de órbita por trás das espessas lentes de seus óculos, quando ele soube que estava conversando com "um brasileiro original" - como ele próprio logo definiria o repórter.

"Você não imagina a minha emoção neste momento. Aqui estou, cuidando da memória deste Brazil que insiste em existir, que luta para não morrer, e de repente me aparece alguém do Brasil que, pelo que sei, está renascendo. É o Brasil moderno visitando o Brazil decadente", diz Turner, visivelmente emocionado.

Ele é o guardião do pequeno, mas bem conservado, museu da Historical Society de Brazil, onde estão objetos e documentos de seu passado de glória, quando a mineração de carvão e a indústria de argila e cerâmica eram suas grandes fontes de riqueza. Numa das paredes estão penduradas as bandeiras dos Estados Unidos e do Brasil. Entre elas, no piso, há um pequeno mostruário com velhas cédulas e moedas de cruzeiros e de cruzados, cartões-postais do Brasil, uma foto do ex-presidente Juscelino Kubitschek, e a primeira página de alguns jornais obtidos em consulados brasileiros nos Estados Unidos.

"Não podíamos deixar de ter algo do país que nos emprestou seu nome, não é?", pergunta Turner. "Afinal, a maioria das pessoas que passam por aqui quer saber por que adotamos o nome de Brazil, quer saber se temos algo a ver com o país", justifica.

O nome surgiu quase por acaso. Pode-se dizer que nasceu "de ouvido". Owen Thorpe, um negociante que via no desbravamento do oeste uma fonte de riquezas, decidiu montar um grande armazém de secos e molhados, que também vendia ferramentas, além de um saloon para animar os trabalhadores que viviam em acampamentos naquela área pontilhada de minas de carvão.

Chegou a ferrovia. E com os negócios prosperando, Thorpe sentiu a necessidade de enviar e receber correspondência. Mas o governo só se dispunha a fornecer esse serviço, instalando um posto de correio, se ali houvesse pelo menos um assentamento. Depois de negociar com as mineradoras, o comerciante criou o povoado em 1844. E decidiu dar a ele um nome diferente. "Ele queria algo que soasse bem diferente. E os jornais da época traziam notícias relatando conflitos de fronteira do Brasil com alguns vizinhos. Thorpe achou que o nome tinha um som agradável, era diferente, e então decidiu batizar o povoado como Brazil", conta Turner.

Brazil ganhou o status de município em 1866. A sua população, que chegou a atingir 40 mil pessoas, hoje é de meros 8.188 habitantes. Eles ocupam um território de 8,7 quilômetros quadrados. A cidadezinha tem apenas uma maternidade, mas possui três cemitérios. O gradual esvaziamento, no entanto, não se justifica pelo índice de óbitos, que é menor do que o de nascimentos. Ele se deve ao crescente desemprego e à falta de perspectivas para os jovens, que alimentam o êxodo.

Turner é um sobrevivente da época de ouro, quando as minas de carvão produziam como se fossem infinitas, e a indústria local da argila e da cerâmica - na qual ele trabalhava - tinha prestígio nacional, produzindo utensílios domésticos e tubulações para água e saneamento que eram vendidos em todo o país. O plástico a desbancou e a condenou à morte. O carvão se extinguiu. Sobrou a produção de leite. Uma fábrica de trailers de carga (a parte traseira das carretas), que empregava mil moradores de Brazil, mas, em dezembro passado, devido à atual crise financeira do país, demitiu 200, promoveu uma nova debandada de residentes.



A situação econômica contém uma agravante: apenas 4,2% da população tem curso superior ou profissional. Com mão-de-obra de baixa qualificação, as grandes empresas não se animam a instalar unidades aqui. E isso complica a vida também do comércio local. "Eu ainda estou conseguindo manter meu negócio, mas não sei até quando. Além do desemprego crescente, há o preço da gasolina, que sobe diariamente e torna tudo mais caro. Por enquanto, apesar do aumento dos custos, estou conseguindo segurar os meus próprios preços, para tentar manter a freguesia", diz Jackie Wilson, dona do Brazil Coffee Company, o único café da cidade, onde ela também produz pães e bolos.

Treze por cento das famílias de Brazil estão abaixo da linha de pobreza. Treze por cento do total das residências são chefiadas por uma mulher sem marido ou companheiro. Além disso, 18,5% dos menores de 18 anos e 12,8% das pessoas acima de 65 anos vivem na miséria. A renda média de uma família é baixa para os padrões americanos: US$ 2.600 mensais. A nacional é de US$ 4.020.

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